Latim a Português
Uma diacronia é a descrição da evolução de uma língua, nessa página vou mostrar como a fonologia de Latim evoluiu para chegar ao português moderno.
Latim Vulgar (Lusitania 400-700 CE)
O latim vulgar não é uma única linguagem mas um termo para se referir ao conjunto de dialetos de latim que surgiram do império romano.
Várias mudanças do latim clássico pro vulgar aconteceram que geralmente são comuns às línguas românicas, por isso as vezes também é chamado de Proto-Românico.
É importante lembrar que nem todas as palavras passaram por esses processos, pois latim clássico era visto como a forma de prestígio da língua, então palavras "importantes" poderiam ser mais preservadas que palavras comuns. Muitas palavras também foram reintroduzidas do latim clássico pela literatura na era medieval, e mais ainda na língua científica.
Na literatura em latim /w/ geralmente é escrito "v", mas por muito tempo as letras "u" e "v" eram indistintas, por isso eu uso sempre "u" pois reflete melhor a pronúncia clássica para aqueles que não sabem.
Labial | Alveolar | Palatal | Velar | Labiovelar | |
---|---|---|---|---|---|
Nasal | m | n | (nʲ) | ||
Plosiva | p b | t d | (c ɟ) | k g | kʷ gʷ |
Fricativa | f β | s | (sʲ) ʝ | ||
Lateral | l | (lʲ) | |||
Rótico | r |
Anteiror | Central | Posterior | |
---|---|---|---|
Fechada | ɪ i: | ʊ u: | |
Média | ɛ eː | ɔ oː | |
Aberta | a aː |
A lista não tem ordem estabelecida, as mudanças não se aplicam em todas as palavras ao mesmo tempo.
- /h/ desaparece em todas as posições, encontro das mesmas vogais se tornam vogais longas: comprehendō > PT compreendo, cohēsum > coeso, prohibeō > proíbo
- Ditongos /ae/ e /oe/ se juntam em /eː/: adhaerēre > aderir
- Vogais no meio de palavra entre /l/ ou /r/ podem ser removidas: speculum > speclum > espelho, auricula > auricla > orelha, oculum > oclum > olho, calidus > caldus > caldo
- /m/ no fim de palavra sumia e causava nasalização da vogal, mais tarde essa nasalização é perdida: aurum > ouro, nouem > nove
- Em palavras monossilábicas elas não foram perdidas
- Não tão frequentemente /ns/ também causavam nasalização da vogal, que foi perdida: mēnsis > mês
- /w/ em todas as ocasiões e /b/ entre vogais se tornam /β/: uiuere > viver, scribo > escrevo, habēre > haver, uentus > vento
- /w/ as vezes pode sumir se em contato com /u/: riuus > rio
- /j/ no inicio de palavras se torna /ʝ/
- /i/ e /e/ sem estresse seguido de vogal palataliza a consoante anterior: filius [filʲʊs] > filho
- Palavras começando com /s/ antes de consoantes recebem um /ɪ/ no começo: scorpiōnem > escorpião
- /k/ e /t/ antes de /e/ e /i/ palatalizam, resultando em /c/ (ou talvez /tʃ/, /ts/?)
- /g/ antes de /e/ e /i/ palataliza, resultando em /ɟ/ (ou talvez /dʒ/?)
- /kʷ ɡʷ/ se tornam /k g/ antes de /e i/
- A distinção entre vogais curtas e longas é perdida criando um novo sistema de vogais:
- /iː/ /uː/ se tornam /i/ e /u/
- /ɪ eː/ e /ʊ oː/ se juntam em /e/ e /o/ respectivamente
- /ɛ ɔ/ permanecem
- /a aː/ se juntam em /a/
Galego-Português (900-1400 CE)
Labial | Alveolar | Palatal | Velar | Labiovelar | |
---|---|---|---|---|---|
Nasal | m | n | ɲ | ||
Plosiva | p b | t d | k g | kʷ gʷ | |
Fricativa | f v | s̺ z̺ | ʃ ʒ | ||
Africada | ts̻ dz̻ | tʃ | |||
Lateral | l | ʎ | |||
Rótico | r ɾ |
Anteiror | Central | Posterior | |
---|---|---|---|
Fechada | i ĩ | u ũ | |
Meio-Fechada | e ẽ | o õ | |
Meio-Aberta | ɛ | ɔ | |
Aberta | a ã |
As letras "ç" e "z" serviam para os sons /ts/ /dz/ em galego-português, /ts/ também era o som de "c" antes de /e/ /ɛ/ /i/. O dígrafo "ch" faz o som /tʃ/
- A sequencia /ps/ muda pra /ss/ e /pt/ pra /tt/: ipsē > esse, captāre > catar
- Várias mudanças com consoantes velares /k/ e /g/ em encontros:
- /gn/ se fundiu com /nʲ/: ligna > lenha, pugnus > punho
- A sequencia /kt/ se torna /jt/ ou /k/ desaparece: octo > oito, āctīuus > ativo
- /ks/ e /sk/ se tornam /ʃ/ no meio de palavra: miscēre > mexer, axis > eixo
- /ks/ vira /s/ no fim de palavra, mas essas palavras podem ser obscurecidas pela gramática: pax > pacem/pacēs > paz/pazes, lūx > lūcem/lūcēs > luz/luzes
- /kl gl/ tem uma retração pra /kʎ/ e depois /ʎʎ/ entre vogais: spec(u)lum > espelho, apic(u)lam > abelha, auric(u)la > orelha, teg(u)la > telha
- A mesma mudança se espalha para /pl/ e /bl/: trib(u)lum > trilho
- /pl kl fl/ viram /tʃ/ (talvez /ʎ̥ː/?) no inicio de palavras ou depois de nasais: pluuia > chuva, clauis > chave, īnflāre > inchar, fluxus > choxo (chocho), macula > VL mancla> mancha
-
Alguns /l/ antes de consoante podem se tornar uma semivogal: multum > muito, altero > outro
-
Uma cadeia de lenição ocorre nas consoantes. No geral geminadas se tornam simples; plosivas desvozeadas se tornam vozeadas e plosivas vozeadas desaparecem:
- /pp > p > b/: cuppa > GP copa "copo", lupus > lobo
- /tt > t > d > ◌/: cattus > gato, rota > roda, pedem > pé
- /kk > k > g > ◌/: siccus > seco, lacus > lago, rēgem > rei
- /ss > s > z/: pressus "pressionado" > pressa, casam > casa
- /nn > n > ◌̃/: annus > ano, manus > mão, sirena > GP serẽa > sereia, mattiana "maçã de Mattius" > GP maçãa > maçã, luna > GP lũa > lua
- /ll > l > ◌/: bellus > belo, caelum > céu, salīre > sair, caballus > cavalo, dolōrem > dor
- /rr > r > ɾ/: terra > GP [tɛra], spērō > GP [espeɾo]
- A palatalização resulta numa nova série de consoantes:
- /c > ts̻/: fortia > força, -tiōnem > -ção, corāceōnem > coração, dulcis > doce
- /cc > ts̻/: mattiana > maçã, bracchiu > braço, captiāre > caçar
- /c > dz̻/ com lenição: facere > fazer, amīcitātem > amizade, rationem > razão, lucem > luz
- /nʲ > ɲ/: seniorem > senhor, somnium > sonho
- /lʲ > ʎ/: folia > folha, mulierem > mulher
- /ssʲ > ʃ/: passionem > paixão
- /sʲ > (j)ʒ/: basium > beijo, ecclesia > igreja, phaseolus > feijão
- /dʲ ɟ > ʒ/: hodie > hoje, uideō > vejo, conuergere > convergir
- /ʝ > ʒ/: iūstus > justo
- A consoante /j/ também afetou as vogais causando uma elevação:
- /a > e/: lactem > /lajte/ > leite
- /ɛ > e/: lectum > /lɛjto/ > leito
- /e > i/ limpidum > /lempjo/ > limpo
- /ɔ > o/: octo > /ɔjto/ > oito
- /o > u/: pluuia > /pʎoβja/ > chuva
-
O ditongo /au/ geralmente vira /ou/: autumnus > outono, audire > *auir > ouvir
-
Em algum momento /fl/ também virou /fɾ/: fluxus (reintroduzido depois de choxo) > frouxo
- Casos esporádicos de metátese: genuculum > *geolho > joelho, inter > entre, parabola > palavra, inodium > *enojo > enjôo
- Casos esporádicos de dissimilação:
- /l > ɾ/: locale > lugar
- /n > l/: animam > alma
- /m > l/: memorare > *membrar > lembrar
- /mr > mbr/: humerum > ombro
Português Moderno (1500> CE)
Labial | Alveolar | Palatal | Velar | Labiovelar | |
---|---|---|---|---|---|
Nasal | m | n | ɲ | ||
Plosiva | p b | t d | k g | kʷ gʷ | |
Fricativa | f v | s z | ʃ ʒ | ||
Lateral | l | ʎ | |||
Rótico | ʁ ɾ |
Anteiror | Central | Posterior | |
---|---|---|---|
Fechada | i ĩ | u ũ | |
Meio-Fechada | e ẽ | o õ | |
Meio-Aberta | ɛ | ɔ | |
Aberta | a ã |
- Os encontros de vogais causados pela perda de -n- tiveram resultados variados:
- Mesma vogal ou próxima: bonum > bõo > bom, calentem > caẽte > quente, lānam > lãa > lã
- Segunda vogal fechada causa um ditongo: manum > *man/manus > mão/mãos, canis > *can/canēs > cão/cães, āctiōnem > *actiōn/actiōnes > ação/ações
- A primeira vogal é /i/ um /ɲ/ é inserido: rēginam > raĩa > rainha, sōbrīnus > sobrĩo > sobrinho
- Nasalização é perdida: lūnam > lũa > lua, bonam > bõa > boa, plēnus > chẽo > cheio
- A nasalização pode se espalhar, geralmente por influência do /m/: ad noctem > *anoite > ãote > ontem, matrem > madre > mãe, meam > mia > minha
- Africados se tornam fricativos /ts̻ dz̻ tʃ > s̻ z̻ ʃ/ (A distinção laminal/apical durou um pouco mais, mas já havia se perdido no fim da idade média)
- Na europa o /r/ se tornou um /ʁ/ (Possivelmente influência da França) enquanto no Brasil se tornou /χ/ e progressivamente /h/
- /l/ depois de vogais é velarizado em Portugal [ɫ] no brasil ele é uma semivogal [w]