Cópula

Em todas as línguas do mundo é comum existir uma forma de expressar algo similar ao que os verbos ser e estar fazem no português. Construções copulares são estruturas gramáticas encontradas em diversas, senão todas, as línguas que cumprem esse papel.

À primeira vista, pode parecer que a cópula é apenas um verbo simples, mas na verdade cópulas são umas das construções mais diversas e complexas encontradas nas diferentes línguas.

Cópulas são tão variadas que são até um conceito difícil de definir, algumas definições mais restritivas não acomodam estruturas que são consideradas cópulas em algumas línguas.

Uma definição mais aberta de uma cópula é: Um elemento copular é um elemento necessário para definir uma estrutura predicativa.

Uma estrutura predicativa é formada por um sujeito (sobre quem ou o que a estrutura é sobre) e um complemento (uma informação sobre o sujeito), que normalmente é uma frase nominal ou adjetiva.

Esse homem

Sujeito

é

COP

médico

Complemento (Nominal)

Vocês

Sujeito

são

COP

bonitas

Complemento (Adjetivo)

Forma

Existem quatro estratégias principais de formação de cópula:

Uma língua não necessariamente usa apenas uma dessas estratégias, mas pode ter formas diferentes dependendo da função da cópula.

Essas quatro estratégias podem ser marcadas de diferentes jeitos em relação a Ordem dos constituintes, Casos gramaticais e Indexação (conjugação verbal).

Cada caso é analisado com exemplos nas próximas partes.

Cópula verbal

Uma das formas mais comuns é ter uma cópula que funciona assim como um verbo, que liga o sujeito com o complemento. Geralmente esse verbo é defectivo, isso significa que ele pode ter funções de verbos comuns faltando, ou até mesmo ter características bem diferentes de outros verbos.

Basco

gizon

homem

hau

esse

medikua

médico

da

COP.3SG.PRES

"Esse homem é médico"

Ainu

moyuk

Tanuki

cikoykip

animal

ne

COP

"Tanuki é um animal"

Entre algumas características defectivas de cópulas verbais:

Também é comum que verbos copulares sejam altamente irregulares, seja por mudanças sonoras divergentes ou por supletivos. Supletivos surgem quando verbos diferentes da cópula passam a ser parte da flexão da cópula.

Por exemplo a maior parte do paradigma do verbo ser (sou, é, somos, são) nas línguas românicas vem da raiz Proto-Indo-Europeia *h₁es-, mas o paradigma passado (fui, foi, fomos, foram) vem da raiz *bʰuh₂- que significava "se-tornar".

Cópula flexional

Algumas línguas adicionam uma flexão verbal no complemento da cópula, que passa a ser então tratada de forma similar a um verbo. O quão parecido com verbos a construção é varia muito entre línguas.

Em algumas línguas o complemento é transformado completamente em um verbo por meios derivacionais, como em Groelandês com o sufixo -u-.

Em outros casos o complemento recebe marcações normalmente usadas para verbos, mas podem fazer outras propriedades de verbos comuns, como em Pipil abaixo, ou então tem outras restrições similares às descritas acima para cópulas verbais.

Groelandês

Arnaq

mulher[ABS]

biologi-u-voq

biólogo-VERB-3SG.IND

"A mulher é bióloga"

Pipil

ni-ta:kat

1SG.SUBJ-homem

"Eu sou um homem"

Turco

ben

eu

öğretmen-in

professor-1SG

"Eu sou professor"

É comum em várias línguas que uma das conjugações do verbo não seja marcada e que essa conjugação seja a 3ª pessoa do singular. Nesses casos uma cópula flexional vai ser idêntica a uma cópula zero, mas ainda deve ser considerada flexional.

Partícula copular

Algumas línguas possuem uma cópula muito similar à verbal, exceto que a palavra ligando o sujeito e o complemento não é um verbo e sim uma partícula. Na maioria dos casos a partícula não pode ser flexionada, mas em alguns ela flexiona para categorias diferentes daquelas de verbos.

Irlandês

Is

COP

dochtúir

médico

é

ele.ACC

"Ele é médico"

Saramacano

Mi

eu

da

COP

DEF

kabiténi

capitão

"Eu sou o capitão"

Em algumas línguas, como Mandarim, onde a morfologia é minima, pode ser difícil decidir se a cópula é um verbo ou uma partícula. Essa decisão pode ser facilitada observando os padrões comuns em partículas copulares em vez das verbais nas próximas seções.

É comum que partículas copulares sejam derivadas de pronomes, nesses casos eles podem apresentar flexão por pessoa. Caso a partícula seja idêntica a pronomes pessoais, será considerado um tipo de cópula zero.

Cópula zero

O último caso é quando não há nenhuma palavra para a cópula e o sujeito e complemento são simplesmente justapostos.

A cópula zero pode ser uma das mais difíceis de reconhecer, uma língua sem morfologia verbal pode ser exatamente igual à cópula zero. E também é preciso reconhecer casos de outros tipos de cópulas que são apenas elididas, como em Russo que omite o verbo бы́ть no tempo presente.

Watjarri

parkali

homem.ABS

maparna

feiticeiro.ABS

"O homem é um feiticeiro"

Guaraní

ha’e

3P

pohanohára

médico

"Ele(a) é médico(a)"

Ordem dos constituintes

Cada forma de cópula descrita anteriormente tem uma preferência quanto a ordem dos seus constituintes. O padrão mais observado é um dos seguintes:

Na maioria das língua essas duas ordens são iguais, mas naquelas onde são diferente é possível notar padrões. A estratégia escolhida para cada forma anterior se resume nessa tabela:

Sujeito Complemento
Verbal Agente Objeto
Flexão Sujeito Verbo
Zero A/S O/V
Partícula Sujeito Verbo

Partículas copulares sempre estão juntas do complemento, por isso elas não se parecem com VOS em línguas com ordem VSO, como no exemplo em Irlandês anterior.

As cópulas verbais seguem sempre a mesma forma de um verbo transitivo, então diferente de partículas, se a ordem é do verbo transitivo é VSO a ordem da cópula também é VSO.

A ordem em cópulas flexionais sempre é paralela a ordem do sujeito e um verbo intransitivo.

Curiosamente, nas línguas com cópula zero e que a ordem de AO e SV são diferentes, a ordem do sujeito e complemento é arbitrária, dependendo somente de fatores pragmáticos.

Casos gramaticais

Quando se trata da marcação de casos, cada forma anterior também tem preferências sobre como ser marcado, no entanto cópulas verbais apresentam mais variação.

Duas formas de casos são as mais usadas nas cópulas:

Em várias línguas as duas situações acima são iguais, algo que também faz a classificação das diferenças mais difícil, mas imaginando que os dois são diferentes temos a tendência encontrada na tabela:

Sujeito Complemento
Verbal S S, ∅ ou outro caso (ex: Equativo)
Flexão S Marcado pela flexão
Zero S
Partícula

Indexação

Para cópulas verbais e flexionais, assim como verbos, elas podem ser marcadas com o sujeito da cópula. Mas sempre somente o sujeito é marcado e não o complemento, mesmo que a língua possa marcar objetos.

Geralmente o verbo é marcado como se fosse intransitivo, mesmo que se parece transitivo. Algumas exceções podem marcar ele de outra forma, como Ainu que marca o sujeito como o agente de um verbo transitivo mas sem objeto.

Em Hausa, que tem partícula copular, ela é indexada com o gênero do sujeito, algo que não é feito com verbos. No entanto na língua falada o gênero do complemento pode ser marcado se for mais saliente para a conversa.

Múltiplas cópulas

A maioria das línguas tem apenas uma cópula (como Inglês), algumas tem duas (como Português), e outra até três ou mais. Qual cópula é usada pode depender de diversos fatores gramáticos ou semânticos.

Também é possível perceber que várias línguas tem verbos que funcionam de maneira similar a uma cópula, como em português com o verbo parecerele parece feliz, Miguel parece um bom padeiro.

Um dos fatores que afeta a cópula pode ser animicidade, a língua Dumi (Sino-Tibetano) usa cópulas diferentes dependendo do sujeito ser animado ou inanimado.

Similarmente a cópula pode depender de classes nominais, a língua Imonda (Papua-Nova-Guiné) tem uma cópula diferente para sujeitos altos ou eretos, derivado de um sistema de classificação perdido, uma delas também é preferida para sujeitos femininos.

Algumas línguas podem ter uma cópula negativa com origem etimológica diferente da cópula positiva.

Bambara

A escolha também pode depender da categoria gramatical ou função. Em Bambara (Niger-Congo) existem 4 cópulas: é usada para locativos e existenciais, don é usado para apresentação, ele não tem um sujeito e significa "isto é PRED", ka é usado para adjetivos e ye é usado duas vezes para frases nominais ou equativos.

Oumou

Oumou

bá

mãe

bɛ́

COP

só

casa

kɔ́no

em

"A mãe de Oumou está em casa"

N

eu

bá

mãe

dòn

COP

"Essa é minha mãe"

Búuru

pão

ká

COP

kálan

quente

"O pão é/está quente"

Nin

isso

COP

námáasa

banana

COP

"Isso é uma banana"

Alguns estudos apontam o segundo como uma posposição ou um marcador de foco, comumente relacionado com .

Português e Espanhol

Em Português temos a cópula ser e estar, seus usos dependem de alguns fatores. Cópulas similares são encontradas em Espanhol e Catalão, mas seus usos podem ser um pouco diferentes.

Para complementos nominais, ser sempre é usado, e o principal uso de estar é relacionado com locativos. Quando o complemento é um adjetivo as duas formas podem ser usadas com sentidos diferentes: ser é usado para características permanentes e estar para características temporárias.

A palavra ficar também funciona de forma muito parecida com uma cópula, usada para algo que mudou de estado: ele ficou velho. ficar também é usado para locais no lugar de ser: a casa fica depois dessa rua.

Distinções similares a de Português podem ser encontradas em Irlandês, Maltês e algumas línguas Bantu.

Funções

Cópulas podem desempenhar diversas funções, mas nem sempre as funções abaixo são predicativas numa língua.

As funções da cópula podem ser divididos numa árvore da seguinte maneira:

As funções relacionais também podem ser classificadas como apresentativos ou não.

Cópulas zero ou flexionais geralmente seguem uma hierarquia no tipo de função em que são aplicadas, que também é relacionado a facilidade de transformar esse elemento em um verbo:

Equativos > Adjetivos > Substantivos > Não-apresentativos > Apresentativo

Entretanto essa hierarquia não conta casos onde a cópula pode ser omitida. Por exemplo no Crioulo Jamaicano a cópula é uma partícula, mas pode ser omitida em todos os casos da hierarquia exceto equativos.

Equativos

O complemento do sujeito pode indicar uma relação de identidade, identificando duas coisas que são consideradas iguais:

Essa relação numa forma lógica pode ser considerada como A = B, uma característica dessa relação é que a ordem do sujeito e complemento pode ser invertida e ainda estar correta:

A cópula pode expressar a relação onde um referente é parte de um conjunto maior. Numa representação lógica, o sujeito pertence ao conjunto do complemento: A ∈ B.

Diferente da cópula com relação de identidade, essa relação não pode ser invertida:

Exemplos

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Complementos simples

Complementos simples são formados apenas por substantivos ou adjetivos, de forma geral esses complementos expressão uma propriedade do sujeito.

Em línguas que permitem complementos nominais simples, eles indicam uma relação de status, incluindo profissões ou grupos sociais:

Em algumas línguas a classe de adjetivos pode ser parte dos substantivos ou parte dos verbos, nas línguas onde são parte de substantivos eles funcionam como a relação acima, mas com um escopo maior se referindo a qualquer propriedade:

Em línguas onde adjetivos são mais próximos de verbos, uma cópula não é necessária para expressões como as de cima, e pode ser que a língua não permita substantivos simples também.

Exemplos

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Locativos

Cópulas usadas em construções locativas são um padrão extremamente comum. A seguir estão vários tipos diferentes:

Mandarim (Sino-Tibetano)

Lısì

Lisi

zái

está

hai-bian

oceano-lado

"Lisi está ao lado do oceano"

Mandarim é um caso de uma língua com dois verbos diferentes para cópulas comuns shi e locativas zái, assim como em Português e Espanhol com os verbos ser e estar, esse padrão de separação é muito comum.

Korku (Austroasiático)

di

ele

ura-gen-ba

casa-LOC-NPST

"Ele está em casa"

Korku é uma língua com cópula do tipo flexional, e a construção locativa é feita de maneira similar, conjugando um substantivo marcado com locativo como se fosse um verbo.

Pitjantjatjara (Pama-Nyungan)

tjitji

criança

ngura-ka

campo-LOC

"A criança está no campo"

Pitjantjatjara é uma língua com cópula zero e um dos poucos casos onde o locativo pode ser marcado por justaposição simples do sujeito e complemento, em outras línguas desse tipo é comum o uso de verbos como deitar, sentar para expressões locativas.

Babungo (Niger-Congo)

ŋwə́

ele

(lùu)

(COP)

táa

LOC

ŋii

casa

"Ele está em casa"

Babungo é um caso onde a cópula que é uma partícula pode ser omitida, resultando numa frase similar a de Pitjantjatjara.

Mais exemplo, alguns usados aqui, podem ser encontrados no capítulo 119 do WALS (Nominal and Locational Predication).

Existencial

Construções existenciais tendem a ser similares à um tipo de construção locativa em várias línguas, geralmente com existenciais sendo feitos por um locativo onde o local não é especificado.

Português diferente desses não tem uma construção existencial usando cópula, e no lugar usa o verbo ter ou existir. A forma usando ter é um caso de locativo sem local especificado:

A seguir estão exemplos em outras línguas:

Turco

oda-da

sala-LOC

bir

um

toplantı

reunião

var-∅

existente-3SG

"Tem uma reunião na sala"

toplantı

reunião

var-∅

existente-3SG

"Tem uma reunião" ou "Uma reunião está acontecendo"

Em Turco, como visto na seção de forma, cópulas são feitas por flexão do complemento, na construção existencial uma palavra que significa "existente" é flexionada e pode ter tanto um significado locativo quanto existencial.

Timbira / Canela-Krahô (Macro-Jê)

cu-ri

3SG-LOC

água

"Tem água" (lit. "Água está nele")

Em Canela-Krahô existenciais são idênticos a locativos sem local especificado, e um dos casos ded cópula zero nesse padrão.

Krongo (Nilo-Saara)

ŋ-áfì

M-COP

bìiti

água

kí-rí

LOC-riacho

"Tem água no riacho"

ŋáa

quando

náamà

coisa

áfíidi

COP.INF

"Quando tiver algo"

Em Krongo duas formas diferentes da cópula são usadas para indicar o significado de ser e existir.

Posse

Muitos predicados possessivos não precisam da cópula em várias línguas, mas aqueles que tem geralmente o fazem usando a cópula e um complemento com uma construção genitiva, comitativa ou locativa.

Finlândes

Johni-lla

John-ADE

on

COP.3SG

kissa

gato

"John tem um gato"

O caso Adessivo (ADE) em Finlândes é um tipo de caso locativo geral, além disso, as construções locativas e existenciais também são feitas usando esse caso:

A posse também pode ser formada por uma construção existencial e um dos casos anteriores.

Diferentes formas de posse merecem um artigo próprio.

Outras construções

Onde colocar essa seção?

(WIP3)

Diacronia

Assim como outros processos cópulas podem surgir ou passar a ser usada para outras funções, essa seção vai mostrar estratégias que línguas naturais adotam para os dois fenômenos.

De verbos posicionais

É comum que verbos posicionais entrem no sistema de cópula de uma língua, o verbo estar de línguas ibéricas por exemplo é um caso disso.

Esses posicionais incluem verbos como: deitar, sentar, estar de pé, viver (num lugar), morar &c.

Flexível

Em línguas que permitem que a cópula seja usada para uma variedade de funções, pode ser observar uma tendência na evolução de verbos posicionais para cópulas.

Primeiramente existe uma pressão para diferenciar predicativos locacionais de não-locacionais, então um verbo posicional toma essa função. No próximo passado a nova cópula passa a ser usada para adjetivos tornando predicativos não-equativos dos equativos (Identidade e Classificação).

Pode se dizer que o Português está no segundo estágio, isso pode ser demonstrado por essas frases:

No terceiro estágio a nova cópula é usada para substantivos, especialmente com a função classificatória, fazendo uma distinção entre não-identificativo e identificativo. Por fim esse estágio está muito próximo de ser uma cópula geral e criar um ciclo.

Rígido

Em línguas menos flexíveis com suas cópulas e que já tem distinções como as dos estágios anteriores, uma nova cópula vinda de um verbo posicional é menos comum.

Caso a lingua tenha uma cópula não verbal para equativos e necessite de usar Tempo, Aspecto ou Modo num equativo, existe uma pressão para que um verbo posicional entre nesse lugar que o predicativo seja formado como um adverbial.

Por exemplo em Tamil, uma cópula equativa no presente tem cópula zero, mas para fazer o mesmo em outro tempo verbal é preciso transformar um substantivo num advérbio (Tamil não diferencia adjetivos e advérbios) e usar o verbo iru.

நான்

nāṉ

eu.NOM

விவசாயி

vivacāyi

fazendeiro

"Eu sou fazendeiro"

நான்

nāṉ

eu.NOM

விவசாயியாக

vivacāyiy-āka

fazendeiro-ADV

இருந்தேன்

iru-ntēṉ

COP-PST.1SG

"Eu era fazendeiro"

De pronomes

Pronomes são a origem mais comum de partículas copulares a partir de uma cópula zero. Nesse processo, um pronome anafórico é usado numa estrutura tópico-comentário e então o pronome é re-analizado como cópula.

Em Mandarim a cópula veio do pronome demonstrativo shì 是 do Chinês Clássico, usado para se referir ao tópico de uma construção copular, enquanto a cópula era marcada por uma partícula final 也.

É comum que essa cópula pronominal comece a ser usada apenas na função de identidade: Miguel ele o padeiro, para então se espalhar para classificação: Miguel ele um padeiro

Em hebraico moderno, a cópula verbal não é usada no presente, mas um pronome da terceira pessoa toma o seu lugar, mas ela não é usada para complementos adjetivos.

Hebraico Moderno

ha-ʿets

DEF-árvore[M]

hu

ele

byoter

mais

ha-ʿatik

DEF-antigo

"A árvore é a mais velha"

ha-ʿets

DEF-árvore[M]

atik

antigo

"A árvore é velha"

De verbos existenciais

(WIP4)

De semi-cópulas

O que é uma semi-copula?

(WIP5)

Alternativas para cópulas

(WIP6)